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ESPECIAL TORCEDOR: A memória do passado como elemento para a vitória do futuro

  • Por Gabriel Moreira Monteiro Bocchi para a Redação da Central do Timão

Em meados dos vinte minutos do segundo tempo do jogo Boca Juniors x Corinthians, disputado em La Bombonera (17/05/2022), pela fase de grupos da Libertadores da América, jogadores do Corinthians reagiram a uma agressão de um jogador do Boca com intensa violência física, resultando em uma expulsão e transformando um jogo “que dava pra ganhar” em um jogo “de segurar empate” – algo que se repetiu no final do primeiro tempo do jogo contra o São Paulo, cinco dias depois, e ontem (15/06) contra o Athletico-PR.

Tal comportamento, ainda que compreendido como uma “reação espontânea” à deslealdade do rival, não pode ocorrer por parte de nenhum atleta do Corinthians. E o ensinamento sobre como os jogadores devem reagir nestas situações, de modo que o Corinthians não se prejudique em jogos tão tensos como os mencionados, pasmem, está no próprio Corinthians, compreendido como entidade histórica que é.

Foto: Daniel Augusto Jr. / Agência Corinthians

Aliás, nos últimos dez anos, quantas mudanças históricas vivemos! Do Pacaembu para a Arena, de Higienópolis para Itaquera, de Tetra para Hepta, de “Sem Libertadores” para Bi-Mundial. Acervo significativo do Memorial do Corinthians foi deslocado para dentro da Arena, antes mesmo dela se tornar “NeoQuímica”, passou a fazer parte do Tour da Casa do Povo.

A construção histórica de uma entidade, uma comunidade, uma família etc, é coisa viva: enquanto há seres viventes e praticantes, há história sendo construída, e há sujeitos ligados ao Corinthians que compreendem muito bem isso.

Dois anos após o centenário, fomos brindados com conquistas inesquecíveis. Qualquer Corinthiano que se preze, ao ouvir ou ler qualquer coisa sobre o ano de 2012, rapidamente recupera imagens daquelas conquistas em sua cabeça: a defesa de Cássio e o gol de Paulinho contra o Vasco; a sagacidade de um recém chegado Romarinho; a malandragem de Sheik contra os argentinos na final; a participação certeira de Danilo e a cabeçada precisa de Guerrero contra os ingleses – meus braços chegam a se arrepiar conforme descrevo tais lances.

Foto: Rodrigo Coca / Agência Corinthians

Por que estas imagens nos vem tão rapidamente à mente, quando pensamos no ano de 2012? Evidentemente que isto ocorre em razão das fortes emoções que os momentos envolveram, mas também, dez anos depois, podemos atribuir à repetição dessas imagens, construtoras de uma “Memória coletiva”, a facilidade para a recordação delas.

O departamento de marketing do clube talvez seja o setor Corinthiano que melhor explora o vasto potencial da “Memória coletiva” do clube, convertendo-a em capital financeiro por meio de campanhas milionárias envolvendo a venda de camisas, sócio-torcedor, ingressos para jogos, filmes e demais objetos e serviços ofertados aos torcedores que os compram, haja vista a média de público nos jogos da equipe masculina de futebol profissional em 2022 e as enormes filas na loja da Arena em dias de jogos.

Mas como essa “Memória coletiva” sobre o ser Corinthians chega aos jogadores profissionais do atual elenco? Há um trabalho de formação neste âmbito? A memória coletiva de momentos históricos do clube não é convertida em “Memória individual” dos atletas? Será que este movimento poderia contribuir para a formação de condutas mais eficazes dentro dos jogos?

Ao assistir pela televisão a confusão que se formou em campo após a reação de Cantillo na Bombonera em 17/05, minha primeira reação foi dizer: “Ele não aprendeu nada com o Emerson Sheik!”. Mas será que aqueles atletas em campo, funcionários contratados pelo clube, tiveram o acesso massificado às imagens icônicas da Libertadores de 2012 que os torcedores e consumidores, da História e dos produtos do Corinthians, tiveram nos últimos dez anos?

Foto: Daniel Augusto Jr. / Agência Corinthians

Qual o sentido da reprodução de imagens de fatos históricos de um clube de futebol se não formar uma identidade histórica que entra em campo? As reações irônicas e desconcertantes de Emerson Sheik naquele Quatro de Julho não poderiam servir para a formação na conduta dos atletas que chegam ao clube? Algo como: “Aqui no Corinthians, quando somos provocados em campo, reagimos desta forma!”.

Mais do que apresentar aos atletas os momentos marcantes na história de um clube ou as características da torcida, não se tem aí, nas imagens de um jogador com a mesma camisa, reagindo de forma não-violenta, invertendo o jogo de provocações, um material de excelente qualidade para o preparo psicológico dos jogadores atuais? Há jogadores do elenco de 2012 ainda em atividade, no campo e no clube: os sujeitos históricos estão vivos! Cabe ao Corinthians, a instituição histórica, transmitir tais valores e condutas para os sujeitos atuais do elenco alvinegro. “Cartilha de comportamento” é só para torcedor?

Teremos dois jogos extremamente difíceis nos dias 28/06 e 06/07, e eu sei que as imagens da conquista de 2012 serão repetidas à exaustão nas próximas semanas, tanto pela repetição do adversário de dez anos atrás, quanto pelo aniversário da conquista, na véspera do segundo jogo. Mas que o sejam não só para nós, torcedores, não só para nos ofertar produtos e serviços: que sirvam para a formação psicológica e orientação de condutas dentro de campo para os jogadores. Para que suas “reações espontâneas” diante das provocações que sabemos que ocorrerão – sejam mais semelhantes à concentração de Emerson do que aos empurrões e cartões tomados nos jogos recentes.

“CORINTHIANS: TEU PASSADO É UMA BANDEIRA, TEU PRESENTE É UMA LIÇÃO”.

“A HISTÓRIA SE REPETE, A PRIMEIRA VEZ COMO TRAGÉDIA, A SEGUNDA COMO FARSA”.

Gabriel Moreira Monteiro Bocchi é cientista social pela Unesp, Mestre em Antropologia pela USP. Pesquisador da História e Cultura Corinthianas. Professor de Filosofia, História e Sociologia.

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