- Por Vinícios Cotrim | Redação da Central do Timão
Neste dia 8 de março de 2024 é celebrado o Dia Internacional das Mulheres. Para representar esta data, Tamires, uma das maiores jogadoras da história do Corinthians, fez uma carta ao ge.globo com direcionamento às mulheres, enfatizando a luta pelos direitos e representação feminina no esporte.
Tamires chegou ao Corinthians em 2019 e, desde então, se tornou uma das capitãs da equipe, tendo também voz ativa dentro do clube. Com a camisa do Timão, além de conquistar títulos, ela também faz cobranças recorrentes pela melhoria da estrutura do futebol feminino ao redor do país e melhores condições para trabalho.
Com esses depoimentos, ela conseguiu sair da ‘bolha’ do futebol feminino e atingir consumidores de outros esportes. Além disso, também vem influenciando outras jogadoras a se posicionarem, como aconteceu mais recentemente com Gabi Portilho, do Corinthians, e Byanca Brasil, do Cruzeiro.
Na carta feita pela jogadora, ela narrou sua história de vida desde a juventude, quando decidiu jogar futebol, passando pela luta de ser mãe no meio de sua carreira, suas inspirações e citou o Corinthians pelo auxílio na batalha pela melhoria do esporte feminino.
Confira o depoimento completo de Tamires:
Resiliência vem da força de querer mostrar e crescer, de deixar um legado para a modalidade e nas coisas que acredito. A mulher vem com esse espírito de brigar pelas causas desde nova. Quando decidi ser jogadora, foram muitas barreiras de preconceito. Acho que isso vem desde pequena quando escutava: “Você é mulher e vai jogar futebol?”. Sim, sou mulher e esse é meu sonho.
As equipes pelas quais passei me fizeram ser resiliente. Técnicos e técnicas como a Magali, que nos meus 15 ou 16 anos me desafiou muito para crescer como jogadora e pessoa. As coisas eram restritas. Jogava em campo de terra; sem chuteira adequada, a gente colocava esparadrapo. Tudo para vislumbrar um lugar na Seleção, alcançar um patamar maior.
Depois virei mãe e quis dar uma vida melhor para o meu filho. A minha resiliência como mulher vem do dia a dia. Sou uma mulher forte, mas posso ser mais. A mulher não pode perder a sua força, todos os dias temos novos desafios a serem superados.
Ouvia nos jogos: “Vá lavar uma louça”. A minha geração ouviu muito esse comentário. Temos tantas mulheres f…, feras, para não falar outra palavra. Inspiradoras. Quando engravidei, uma pessoa próxima a mim bateu na minha cabeça e disse: “Você não tem juízo?”. Não era questão de juízo, estava grávida e minha vida iria mudar, tinha que ter um suporte. Não tinha referências e sofri por não poder jogar. Foram três anos e meio sem jogar futebol.
Tem aquela frase da Marta sobre “chorar no começo para sorrir no fim”. Quando soube que estava grávida, chorei três dias seguidos. Não sabia o que estava acontecendo, tinha 21 anos. Tive que parar de jogar futebol. Hoje esse choro é o sorriso, porque o Bernardo é uma dádiva. Sou uma mulher que sorri, tenho um filho de 14 anos que me encoraja e me ensina. Eu me tornei uma referência na vida de atleta e mãe, e me orgulho por ser uma mulher, por ser uma mulher que joga futebol e por ser uma mulher que joga futebol e ainda é mãe. Foi muita coragem, muitos desafios superados. Foi tudo às mil maravilhas? Não.
Entendo que a maternidade é algo muito difícil. Como mãe, a gente se culpa o tempo todo, mesmo não tendo culpa de nada. Quando voltei, o mais difícil foi a distância do Bernardo. Chegava em casa, e ele estava dormindo. Foi difícil não participar diretamente de alguns processos, mas estava convicta em ser uma jogadora profissional de futebol.
Eu gosto de, em momentos pontuais, falar sobre como é ser mãe e mulher no futebol. No período entre o nascimento do Bernardo até ele completar dez anos foi uma pauta muito recorrente. Mas em 2019 virei a chave. Queria pautas da Tamires atleta, a Tamires jogadora de futebol. Sei que minha voz não traz voz só para as mulheres atletas, mas mulheres de todas as áreas que saem de casa para trabalhar e deixam o filho na escola integral, deixam o filho com o familiar. Quando a gente expõe e escutamos outra falando, aprendemos.
Passei por esse processo sem ter uma referência no esporte de mães atletas, mas fui vendo mulheres usarem a voz para causas importantes, causas pelas quais eu batalhava timidamente desde pequena. Vi a Alex Morgan, a Rapinoe levantando as vozes. Isso acendeu a chama para ser uma voz das mulheres no Brasil, a fim de mudar o patamar do futebol feminino. Penso coletivamente, falo instintivamente. Muitas vezes, instintivamente faz as pessoas sentirem mais, porque vem do coração.
Aí veio o Corinthians, e sinto que está dando certo. Estamos perdendo o medo de nos expormos, mostrar quem somos”. Estamos aos poucos fazendo o mundo aprender a respeitar a mulher da forma que ela quer ser e agir. O respeito, independente do gênero, tem que existir. A gente sente necessidade de brigar mais, ter que ganhar algo para ser reconhecida. Como mulher, hoje é um dia simbólico.
O dia da mulher é todo dia, mas ter uma data que simboliza nossa garra e determinação dá mais força e energia para procurarmos nos valorizar mais, como a gente deve ser. Não podemos ter medo de fazer esse dia ser incrível, fazer esse dia valer à pena e trazer pautas empoderadas para todas as mulheres.
Podemos ser muito mais do que atletas. As mais jovens hoje têm as referências, não só a Tamires, mas Martas, Cristianes, Érikas, Gabi Zanottis, Grazis, Rafas e Debinhas…As mais jovens podem dizer que “também tenho algo importante para falar”. Tem tanta história dentro do futebol feminino tão inspiradoras. Eu falo da maternidade por ter vivido, e espero ser inspiração para elas sentirem confortáveis em falar. Isso vai além do esporte.
Eu ainda me incomodo muito, principalmente porque sei que muitas meninas sofrem com ataques, principalmente na internet. As pessoas se escondem nas redes sociais. Acompanho e vejo muito comentário preconceituoso. Vejo o quanto temos para lutar. Passei por situações de lutarmos por uma causa e sermos massacradas. Quando mexia com a Tamires, eu fico de boa. Mas, com os meus, viro uma leoa. Foram momentos em que tive que ser mulher para superar aquilo.
O Corinthians me ajuda nessa luta. Quando se trabalha com pessoas que te inspiram a buscar mais, como a Cris Gambaré e como era o Arthur Elias e sua comissão técnica, criamos mais coragem. Quando se luta sozinha, você fica mais fraca. Quando tem um departamento, um apoio, isso te motiva a fazer parte desse grupo e crescer. Hoje furamos a bolha.
Eu fui anunciada na Fátima Bernardes em 2019, quando cheguei no Corinthians, participei do Amigo Oculto do Fantástico e do Minha Mãe Cozinha melhor Que a Sua, como outras atletas também tiveram oportunidades de levar o nome do futebol feminino para diversos públicos, e estamos batendo recordes de público a cada ano. É um orgulho. Tenho orgulho da minha trajetória.
A Tamires de hoje tem base para aconselhar a Tamires de ontem e as jovens sobre “não desistir”. Há momentos difíceis, mas seja constante. O respeito e essa constância vão te fazer ir mais longe. Muitas meninas não vão conseguir ser jogadoras, mas o esporte traz respeito, vivências. E essa vivência, com trocas de histórias, agrega como pessoa e como mulher. Esse mundo também é de pessoas que tem o mesmo pensamento que você. Quando você divide as opiniões e tem alguém junto para dizer “bora”, isso faz toda a diferença.
Inspirar novas gerações é acreditar naquilo que ama e fazer da melhor forma possível. As pessoas conseguem enxergar brilho no olhar, o quanto amamos o que fazemos. Com amor, você inspira. Com trabalho duro, você motiva as pessoas.
Uso esse espaço para falar com o orgulho da modalidade. Crescemos, mas podemos mais. Acho que trago da minha essência esse desejo daquela Tamires pequena. É o que quero que cada vez mais pessoas possam enxergar. Esse é o legado que quero deixar.
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