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BLOG DO DR. CESAR: 2005 – O ano que não terminou

Na literatura brasileira, 1968 é o ano que não terminou e nem terminará graças ao livro do mestre Zuenir Ventura, que abordou a conjuntura e os aspectos políticos, sociais e culturais de um ano que marcou a história.

No futebol, 2005 é o ano que não terminou e, dificilmente, terminará. O ano da máfia do apito. O ano da remarcação de 11 jogos adulterados pelo ladrão confesso, Edilson Pereira de Carvalho, que ao final deram o tetracampeonato brasileiro ao Corinthians. O Internacional, até hoje, não se conforma com a perda do título.

Mas o que houve efetivamente em 2005?

Sigam o fio.

Primeiramente, destaca-se que o ano de 2005 foi um ano bastante agitado no Corinthians.

Foi o primeiro ano efetivo da Parceria com a MSI – Media Sports Investment – que tinha como representante no Brasil o iraniano, Kia Joorabchian.

Kia chegou dizendo que o Corinthians seria o “number one”.

Como cartão de visitas, a MSI contratou o argentino Carlitos Tévez, o Craque das Américas em 2004, pela importância de 20 milhões de dólares.

A parceria foi contestada desde o início. A alegação dos opositores era de que se tratava de “lavagem de dinheiro”, o que jamais foi comprovado na justiça.

Além de Tévez, foram contratados Mascherano, Roger, Carlos Alberto, Nilmar, entre outros.

O Corinthians foi vice-campeão paulista numa campanha apenas regular, que culminou na demissão do técnico Tite e na contratação de Daniel Passarela, el gran capitán.

Não deu certo. Passarella foi demitido após uma goleada de 5×1 para o São Paulo no Pacaembu, ainda na 3ª rodada do campeonato brasileiro.

Para o seu lugar foi contratado Márcio Bittencourt, que dirigiu a equipe por 28 jogos, com quase 70% de aproveitamento, mas também foi demitido na parte final do campeonato para a chegada de um técnico mais experiente, o carioca Antônio Lopes, quando ocupava a segunda colocação do campeonato com 50 pontos, 1 ponto a menos que o líder Internacional.

O 1º jogo de Antônio Lopes, como técnico do Corinthians no Campeonato Brasileiro, foi exatamente no dia da anulação dos 11 jogos apitados por Edílson Pereira de Carvalho em 02 de outubro de 2005. A anulação ocorreu no período da manhã e os jogos seriam à tarde. Logo, o Corinthians ultrapassava o Internacional em número de pontos, 50 x 48, mesmo sem jogar.

Mas será preciso voltar alguns dias no tempo para a continuidade da história.

23 de setembro de 2005, data da publicação da Revista Veja, com Edílson Pereira de Carvalho na capa, como símbolo de um esquema de corrupção no futebol para fraudar resultados denominado “A Máfia do Apito”.

Foi a grande matéria das vidas de André Rizek e Thaís Oyama.

Mas afinal, o que era a Máfia do Apito?

Era um esquema para dar o título do Brasileiro de 2005 para o Corinthians, certo?

Não.

Máfia do Apito era um esquema para beneficiar apostadores através de arbitragens compradas.

O árbitro envolvido, em princípio, era José Paulo Danelon.

Posteriormente, José Paulo Danelon indicou Edílson Pereira de Carvalho para o seu chefe Nagib Fayad, vulgo “Gibão”, pois sabia que o ex-árbitro tinha dívidas, no importe de R$ 40.000,00.

Cada aposta valia de 10 a 15 mil aos árbitros.

A Máfia do Apito maculou 6 Campeonatos:

Séries A e B do Brasileiro de 2005, Séries A e B do Campeonato Paulista de 2005, Libertadores de 2005 e Sul-Americana de 2005.

E o mais afoito pergunta:

Então, por que não houve a anulação de jogos nos demais campeonatos?

Simples. Quando a matéria da Veja foi divulgada, os campeonatos da Série A e B do Paulista já tinham terminado. E a Libertadores, idem. A Sul-Americana ainda estava em andamento, mas era de competência da Conmebol.

A Série B do Brasileiro não tinha terminado, mas havia um problema:

Já estava no quadrangular final e os jogos apitados por Danelon não alterariam os 8 classificados.

Restava o Campeonato Brasileiro da Série A.

Juntos, Edílson e Danelon haviam apitado 40 jogos em 2005:

Dois da Libertadores da América, um da Sul-Americana, 22 dos Campeonatos Paulistas da Série A e B, quatro do Brasileiro da Série B e 11 do Campeonato Brasileiro da Série A (esses apitados todos por Edilson).

Edílson Pereira de Carvalho apitou os seguintes jogos no Campeonato Brasileiro:

Vasco 0x1 Botafogo, Ponte Preta 1×0 São Paulo, Paysandu 1×2 Cruzeiro, Juventude 1×4 Figueirense, Santos 4×2 Corinthians, Vasco 2×1 Figueirense, Cruzeiro 4×1 Botafogo, Juventude 2×0 Fluminense, Internacional 3×2 Coritiba, São Paulo 3×2 Corinthians, Fluminense 3×0 Brasiliense.

Em decisão monocrática, anunciada em 02 de outubro, Luiz Zveiter anulou as 11 partidas após interrogar Edilson Pereira de Carvalho, junto com Procuradores, Ministério Público e Policiais. Zveiter classificou Edilson como “estelionatário inconsequente”.

Em Santos 4×2 Corinthians, Edilson teria que “fazer” a vitória do Corinthians. Não fez. Mas não deu um pênalti no Jô e confirmou um gol impedido para o Santos. Segundo o MP, Edílson fazia jogo duplo, ou seja, enquanto os apostadores jogavam as suas fichas no time A, Edilson, por conta própria, vendia o resultado para outros apostadores no time B e ganhava sempre.

Segue abaixo diálogo entre Edílson e Nagib gravada em 06 de agosto com autorização da Justiça:

Nagib: Contra o Santos, você não deu aquele pênalti para o Corinthians, pelo amor de Deus, rapaz!

Edilson: Nesse eu vacilei.

Nagib: Mas essas coisas que não podem acontecer, que eu fui para o buraco cada vez mais. Pelo amor de Deus, rapaz.

Edilson: Contra o Juventude você viu que não tinha jeito. Você viu que barbaridade que o Edmundo fez.

Nagib: Sabe o que tem que fazer? Não deixar a negada nem atacar.

Edilson: É como eu estou pensando em fazer hoje. Marcar uma falta que não existiu. O cara reclama eu dou amarelo. Uma falta que ele sofrer no meio campo eu não dou a falta e o Vasco vai para a frente. E já meto uns pênaltis. Mas, poxa, aumenta esse negócio aí, 10 contos é complicado.

Nagib: Eu vou tentar pegar 15 conto. Me ajude aí, pelo amor de Deus.

Edílson Pereira de Carvalho, portanto, era réu confesso, razão pela qual Zveiter considerou a anulação das 11 partidas como sendo a medida mais justa. Em princípio, 11 times apoiaram a anulação dos jogos. Outros 11 não apoiaram a anulação dos jogos. Em suma: Nenhum clube queria saber de justiça. Queriam apenas levar vantagem.

Dos 11 jogos remarcados, 9 tiveram resultados diferentes.

O Corinthians venceu o Santos na Vila Belmiro, por 3×2, num jogo que nem terminou.

No outro jogo remarcado, o Corinthians empatou em 1×1 com o São Paulo, no Morumbi, atuando com time misto em razão do aperto no calendário.

Então, o Corinthians se beneficiou da remarcação dos jogos?

Indiretamente, sim, mas os 4 pontos foram obtidos no campo em 180 minutos na Vila Belmiro e no Morumbi. Ou seja, não foi o “tapetão” que proporcionou compulsoriamente 4 pontos ao Corinthians. Foi o campo. Tapetão foi o Caso Sandro Hiroshi, que beneficiou diretamente Botafogo e, ora veja, Internacional em 1999.

Mas não acabou. Em 20.11.2005, Corinthians x Internacional se enfrentaram no Pacaembu. Uma espécie de final antecipada. Tévez fez 1×0 para o Corinthians. Sóbis empatou. Aos 28 do 2º tempo, Tinga sofre pênalti de Fábio Costa. Márcio Rezende de Freitas, imediatamente, dá o segundo cartão amarelo ao atleta do Internacional e o expulsa.

Erro crasso de arbitragem. Mais um naquele campeonato. Mais um na história do futebol brasileiro.

Infelizmente, não foi o primeiro nem o último erro de arbitragem na história do Campeonato Brasileiro. Se existisse VAR à época, Marcio Rezende de Freitas seria obrigado a marcar o pênalti e o Internacional poderia fazer dois pontos a mais naquele jogo.

Entretanto, se houvesse VAR, o Internacional não teria os 2 pontos do gol impedido de Marcio Mossoró contra o Brasiliense na rodada anterior.

A arbitragem dá e tira. Tirou no jogo da 40ª rodada do Brasileiro de 2005, mas deu, em 1992, na final da Copa do Brasil. Coisas do futebol.

Na semana seguinte, o Corinthians venceu a Ponte Preta por 3×1. O Internacional venceu o Palmeiras por 2×1. Os palmeirenses reclamaram muito do pênalti marcado para o Internacional. Leão, o técnico do Palmeiras à época, foi expulso.

A diferença permanecia em 3 pontos.

Na última rodada, o Internacional perdeu do Coritiba por 1×0, mas deu volta olímpica na condição de “campeão moral”. Enquanto isso, em Goiânia, o Corinthians perdeu para o Goiás por 3×2, sofrendo gol impedido. Coisas do futebol.

No campeonato de verdade, o campeão foi o Corinthians com 81 pontos contra 78 do Internacional, sendo os 4 pontos conquistados nos jogos remarcados contra Santos e São Paulo fundamentais para a conquista.

Apesar de todas as conjunções adversativas, Luiz Zveiter, que não tinha nenhuma relação com o Corinthians, diga-se, tomou a decisão menos dolosa para o Campeonato.  Anulou as 11 partidas apitadas pelo ladrão confesso, Edílson Pereira de Carvalho.

O Corinthians não teve qualquer relação com Máfia do Apito, Edílson Pereira de Carvalho, Luiz Zveiter ou Márcio Rezende de Freitas. A decisão foi no campo. Ninguém deu nada para o Corinthians.

Mas ainda não acabou.

Em 2007, Dualib foi pego em gravações telefônicas com Renato Duprat mantendo o seguinte diálogo:

Dualib – Mas como é que ganhou ano passado [a gravação foi feita em 2006]? Ganhou, mas olha, se não tivesse aquela merda da anulação de 11 jogos, nos estaríamos fora, porque o campeão de fato e de direito é o Internacional. 

Duprat – É… 

Dualib – Porque os últimos cinco jogos, nós tínhamos 14 pontos na frente, e chegamos com um ponto só, roubado. 

As gravações foram suficientes para que torcedores colorados e jornalistas mal intencionados apresentassem uma interpretação rasa da conversa.

O “roubado” dito por Dualib na última frase tem relação com o erro de arbitragem do Márcio Rezende de Freitas e não com alguma relação do Corinthians e a máfia do apito. Questão óbvia.

A Máfia do Apito foi um esquema de manipulação de resultados para benefício de apostadores, que contou com a ajuda dos ex-árbitros Edílson Pereira de Carvalho e José Paulo Danelon.

Enfim, o Campeão Brasileiro de 2005 é o Sport Club Corinthians Paulista.

O resto é desonestidade intelectual e desatenção proposital à realidade dos fatos, mas lamento informar que 2005 jamais terá fim, enquanto o 2º time do Rio Grande do Sul não conquistar um Campeonato Brasileiro na bola.

Já faz 40 anos.

Por Dr.Cesar Augusto