Arquivo da tag: Adenor Corinthians

Nove anos da volta de Tite ao Corinthians – Do rebaixamento evitado ao topo do mundo

Por Anthonio Delbon/Redação da Central do Timão

Em 17 de outubro de 2010, Tite voltava ao Corinthians para mudar a história

(Foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)

Do rebaixamento evitado ao topo do mundo: a história de Tite no Corinthians é um drama digno de um filme, com altos e baixos – muito mais altos! – e uma identificação com a Fiel raríssima na história do clube. Lembremos, ano a ano, a trajetória do treinador mais vitorioso dos 109 anos de Sport Club Corinthians Paulista.

(Foto: Divulgação)

Era 2004. Na zona de rebaixamento, com um time esfacelado que quase havia caído no campeonato estadual, o Corinthians apostava suas fichas em Adenor Leonardo Bachi, o arquiteto do São Caetano campeão paulista no mesmo ano. No currículo, poucos, mas promissores títulos. Entre eles, a Copa do Brasil de 2001, vencida pelo Grêmio no Morumbi justamente contra o Corinthians de Vanderlei Luxemburgo.

Começava uma épica jornada.

Logo, contudo, a trajetória de Tite seria interrompida. Depois de salvar o time do rebaixamento e levar a equipe de Gil, Rogério, Jô e Fábio Baiano ao milagroso 5º lugar, Tite iniciaria 2005 com um plantel estrelado. Tevez, Roger, Carlos Alberto, Gustavo Nery, Sebá Dominguez, Marcelo Mattos: era a MSI de Kia Joorabichian e o início da “era galáctica” do Timão. Mais tarde chegariam Javier Mascherano e Nilmar, mas Tite não chegaria a treiná-los no clube: após um começo irregular no Paulistão, um fatídico episódio selou sua demissão.

No clássico contra o São Paulo, no Morumbi, um pênalti a nosso favor colocou o dilema do batedor. Quem mandava, Tite, fez Dyego Coelho, atual treinador do sub-20 bater. Errou. No vestiário, Kia Joorabichian, recém-chegado com o dinheiro necessário para bancar o timaço, surtou com ausência de Tevez na marca da cal. Foi a gota d’água para Tite, que deixou o clube após a derrota para o rival tricolor, que não perdia para o Timão já havia mais de dois anos.

Tite rodou.

Passou pelo Atlético Mineiro no mesmo ano e não conseguiu ajudar o time a reagir contra o rebaixamento. No Palmeiras, em 2006, foi escorraçado no aeroporto e maltratado por dirigentes. Dos Emirados Árabes, voltou ao Brasil para comandar o Internacional na campanha vitoriosa da Copa Sulamericana em 2008, agora comandando Nilmar, Rosinei e outros ex-corinthianos. Em 2009, reencontrou o Timão como adversário, pela Copa do Brasil, agora com resultado desfavorável ao gaúcho: o Corinthians de Ronaldo, André Santos, Jorge Henrique e Mano Menezes foi campeão em pleno Beira-Rio.

Do colorado veio mais uma passagem pelos Emirados Árabes, agora pelo Al-Wahda, prestes a disputar o Mundial de Clubes de 2010 como campeão do país-sede. Foi a ligação inesperada de Andrés Sanchez, então presidente do Timão que havia trabalhado com Tite em 2005 como diretor de futebol, que fez Tite abandonar o sonho do Mundial para retornar algo que havia sido interrompido: sua história pelo alvinegro paulista.

Mauro da Silva(e) auxiliar; Fabio Carille, tecnico interino, Chicao e William durante o treino do Corinthians em 16/10/2009 (Foto: © Daniel Augusto Jr. /Fotoarena/Ag.Corinthians)

No ano do nosso centenário, após a saída de Mano Menezes para a Seleção, uma tremenda oscilação começou a ocorrer no desempenho da equipe no Brasileirão. Deixado por Mano na 1º colocação, o time caiu e se desorganizou nas mãos de Adílson Baptista. Entre sua queda precoce e anunciada e a volta de Tite, um jovem auxiliar teve a chance de comandar o Timão pela primeira vez: Fábio Carille – ou, simplesmente, Fábio, como era conhecido na época.

Novo técnico Tite sendo apresentado aos jogadores em 2010 (Foto: © Daniel Augusto Jr. /Fotoarena/Ag.Corinthians)

Nas oito rodadas faltantes, Tite venceu cinco jogos e empatou três. Invicto – e tendo vencido o Palmeiras em sua reestreia no Pacaembu – o Timão de Adenor terminou em branco o ano de seu centenário e em uma atmosfera melancólica, na terceira colocação da torneio nacional.

Ronaldo durante a partida entre Deportes Tolima/Colombia x Corinthians/Brasil , segunda partida jogo de volta, pela Pre Libertadores de 2011, em Ibague/Colombia. 02/02/2011. Foto: © Daniel Augusto Jr. / Fotoarena/Ag.Corinthians

Esse clima pouco afeito a sucessos se arrastou até o inicio de 2011. Classificado para a pré-Libertadores, a equipe de Tite parecia ter começado o ano ainda de ressaca – exceção feita ao golaço olímpico de Roberto Carlos contra a Portuguesa, no Pacaembu. O 0 a 0 no Pacamebu e a derrota – a única de Tite, até então – contra o Tolima, na Colômbia, selou o fim de uma era: Ronaldo aposentou-se dias depois, Roberto Carlos, que não jogara a segunda partida, acertou sua transferência para o Anzhi, da Rússia, junto com Jucilei, e Bruno César começou a perder espaço por já estar acertado com o Benfica.

O óbvio seria demitir Tite, mesmo com ótimos números em termos estatísticos, mas Andrés Sanchez bancou o técnico em uma decisão que se tornou histórica e é até hoje lembrada. O resultado começou a surgir no jogo seguinte: Palmeiras 0 x 1 Corinthians, em um Pacaembu lotado de palmeirenses, o capitão Alessandro, um dos poucos remanescentes da Série B, marcou o gol da vitória.

Palmeiras 0 x 1 Corinthians, Pacaembu, gol de Alessandro – Derby do “Fala muito” (Foto: Reprodução Youtube)

Júlio César operou milagres atrás e Tite, no banco de reservas, soltou o instantaneamente famoso “FALA MUITO!” na cara de Scolari, o técnico palmeirense que havia dito preferir perder o jogo se isso significasse que Tite permaneceria no cargo.

O Timão estava prestes a ganhar uma nova cara. Uma cara brava e corajosa.

Com Liédson, recém-contratado para substituir Ronaldo, Fábio Santos, Leandro Castán, Paulinho e Danilo se firmando no time titular, Tite criou uma equipe competitiva e guerreira. O vice-campeonato paulista para o Santos de Neymar foi apenas o test-drive da campanha vitoriosa que levou o clube ao pentacampeonato nacional, contra o mesmo Palmeiras de Scolari, no mesmo Pacaembu, no dia da morte de Sócrates.

De um início de ano esfacelado até o pico da vitória, o Corinthians de Tite teve inúmeros momentos e jogadores inesquecíveis: Alex, Adriano, Émerson Sheik, Cachito Ramírez, Edenílson e Willian foram alguns nomes que começaram a brilhar no clube neste período. Houve inesquecíveis viradas fora de casa, contra Grêmio, na estreia, e Atlético Mineiro, com atuação brilhante de Sheik; goleada histórica contra o São Paulo por 5 a 0, com hattrick de Liédson e atuação magistral do ex-são paulino Danilo; viradas no Pacaembu contra o Flamengo de Ronaldinho e o Atlético Mineiro, no memorável jogo com o gol de Adriano; gols importantíssimos em horas decisivas, como o de Ramírez contra o Ceará, o de Alex, ex-colorado, contra o Inter no Beira Rio, e o de Paulinho contra o Cruzeiro, em Minas.

Foto: Reprodução

Teve até goleiro com o dedo quebrado permanecendo em campo até o fim, como Júlio César em São Januário, contra o Botafogo.

O pentacampeonato foi marcante porque ressuscitou uma equipe quebrada, cercada de desconfiança e sem os maiores ídolos do ano anterior. Tite, em um ano que parecia ser de transição, fez o Timão voltar rapidamente ao topo de forma incontestável e, principalmente, corinthiana: com fair play, defesa pra lá de sólida, ataque eficiente e raça, muita raça.

2012, portanto, era um ano promissor. Uma longa novela para contratar Walter Montillo, do Cruzeiro, acabou em nada. O Timão repatriou seu ex-camisa 10, Douglas, que havia sido destaque no Grêmio 2010 e 2011. A base da equipe era a mesma de 2011, com um pequeno detalhe que passou despercebido nos primeiros meses: Cássio Ramos.

Foto: Divulgação

Contratado junto ao PSV da Holanda, Cássio chegou para ser a terceira opção no gol corinthiano, atrás do campeão titular Júlio César e de Danilo Fernandes, cria do terrão. Mas as falhas de Júlio nas quartas de final do Campeonato Paulista, diante da Ponte Preta em um Pacaembu lotado, deixaram na posição de goleiro uma vaga em aberto. Confiando em Cássio, já no inicio dos mata matas da Libertadores, Tite não se arrependeu e acabou, sem saber, tomando uma decisão sem volta: era o início daquele que é, para muitos, o maior goleiro da história do Timão.

Com um goleiro firme, o Timão arrancou um empate contra o Emelec, em Guayaquil. Carimbou a vaga para as quartas de final do torneio continental com uma vitória por 3 a 0 em São Paulo. Tite já fazia história: era a primeira vez em 12 anos que o clube alcançava tal estágio na competição. O adversário seria o Vasco, vice-campeão brasileiro de 2011, que contava com Fágner, Fernando Prass, Felipe, Juninho, Nilton, Carlos Alberto e Diego Souza. A história todo mundo conhece, principalmente a deste último com o gigante Cássio…

Passado o Vasco, veio o Santos de Neymar e Ganso, então detentor do título continental. Sem chances: a defesa sólida e a precisão de Émerson Sheik e Danilo foram suficientes para dar ao Corinthians a sua primeira final de Taça Libertadores da América. E não existia, à época, adversário melhor: o Boca Juniors, de Juan Román Riquelme.

O Boca de Riquelme era sinônimo de desespero aos brasileiros: só em finais continentais, Palmeiras e Grêmio haviam tomado um vareio de bola no século passado. Tetracampeão da Libertadores só nos anos 2000, o Boca era – e é – o papatítulos da América do Sul. Mas eles não contavam com a astúcia de Paulinho, Émerson Sheik e um garoto recém-chegado do Bragantino: Romarinho.

Preferindo o cabeludo atacante a Willian, que havia sido titular na volta da semifinal contra o Santos, Tite apostou suas fichas colocando-o em plena La Bombonera com resultado adverso. Em seu primeiro toque na bola, após roubada de bola de Riquelme por Paulinho e jogadaça de Emerson Sheik, Romarinho empatou a partir e levou a decisão para o Pacaembu. Em 4 de julho de 2012, dia da independência dos Estados Unidos, Tite, Sheik e companhia marcaram o dia da libertação corinthiana: invicto e com a melhor defesa, o Corinthians era campeão continental pela primeira vez, em cima do clube mais temido do continente.

(Foto: Divulgação/Ag. Corinthians)

Seis meses depois, já com Juan Martínez e Paolo Guerrero no plantel em substituição a Alex e Liédson, que deixaram o clube junto com Leandro Castán, Tite invadiu o Japão com a Fiel Torcida para trazer o bicampeonato mundial contra o Chelsea de Peter Cech, Frank Lampard, Eden Hazard, David Luiz e Fernando Torres. Era o ápice do técnico, mas ainda outros títulos viriam no ano seguinte.

Campeão do mundo, o clube apostou em poucas, mas precisas contratações. Diferentemente de janeiro de 2012 que contou com uma absurda publicidade em cima do saudoso chinês Chen Zhi Zhao, 2013 veio com nomes de peso: Gil, Renato Augusto e Alexandre Pato. Cirurgicamente, Tite trouxe uma fortaleza para cada setor do campo. O resultado foi a taça do campeonato paulista, contra o já freguês Santos de Neymar, e a inédita recopa Sulamericana, com 4 a 1 no agregado contra o São Paulo de Ganso, Jadson e Rogério Ceni.

O sonho do bi na Libertadores foi interrompido por dois eventos sui generis: A tragédia em Oruro, na Bolívia, com a morte de um garoto local vítima de um sinalizador lançado da torcida corinthiana; Carlos Amarilla, árbitro do famoso jogo entre Corinthians e Boca pelas oitavas de final, considerado, sem exagero, o maior roubo da história da competição.

Com queda tão traumática, o time sentiu. Sem fôlego para disputar o Campeonato Brasileiro após o cheio primeiro semestre, o foco de Tite se voltou à Copa do Brasil. A equipe havia batido o Luverdense pelas oitavas de final e esperava o Grêmio na etapa seguinte. Com dois empates sem gols, a decisão por pênaltis selou o fim do espirito vencedor daquela equipe multivencedora: a cavadinha de Pato contra Dida enervou a todos e matou as chances de mais um título no ano.

Arrastando-se até o fim da temporada, foi o famigerado início do “empatite”: sem criatividade e repertório ofensivo – e sem fibra – o time foi colecionando empates sem gols até terminar o ano como a melhor defesa e o segundo pior ataque. A contradição só não resultou em tragédia porque jogadores e direção seguraram Tite quando este pediu demissão após a goleada sofrida contra a Portuguesa por 4 a 0.

Sem ânimo de ambas as partes, ficou resolvido que Tite sairia em 2014 para tirar um ano sabático, aproveitando a possível e então provável oportunidade que surgiria após a Copa do Mundo. Preterido por Dunga após o 7 a 1, Tite se manteve estudando durante todo o ano para voltar, renovado e “com tesão”, nas palavras do próprio, ao Timão de 2015, semi-renovado por Mano Menezes em 2014.

(Foto: Reprodução Youtube)

E 2015 começou com tudo.

O futebol corinthiano do primeiro semestre – ou melhor, da primeira fase da Libertadores e do Campeonato Paulista – foi um espetáculo. O símbolo de que Tite voltara com a corda toda foram as vitórias na Arena contra Once Caldas, Danubio e, principalmente, São Paulo, marcada pelo golaço de Elias após troca de passe com Jadson e Danilo. Infelizmente, o que prometia ser uma temporada com inúmeras taças sofreu interrupções drásticas: as eliminações contra o Guarani, do Paraguai, e o Guarani, da capital, ambas em casa, mostraram uma equipe ainda em formação, irregular em momentos decisivos.

(Foto: Reprodução Youtube)

Com as saídas de Guerrero, Émerson Sheik e Fábio Santos – e as entradas de Vágner Love, Malcom e Uendel – a equipe foi aos poucos tomando forma e se entrosando de forma sólida. O resultado foi um hexacampeonato bem diferente do penta: melhor defesa, melhor ataque, melhor campanha da história dos pontos corridos com vinte clubes até hoje e um meio-campo dos sonhos, o melhor desde os anos 98/2000: Ralf, Elias, Renato Augusto e Jadson. Era a prova de que Tite, mesmo com as desconfianças da imprensa de sempre, era um técnico de altíssimo nível.

Foi em 2016 que o Brasil, em necessidade e desespero após o 7 a 1 e duas eliminações vergonhosas nas Copa Américas de 2015 e 2016, reconheceu em Tite o extraordinário trabalho. A CBF, no meio do ano, tirou o técnico de um Timão em reconstrução – de 2015 para 2016, praticamente o time inteiro foi embora. Em três passagens, foram 378 jogos e seis títulos, incluindo dois inéditos e o inédito bicampeonato nacional sob o comando de um mesmo técnico.

(Foto Imagem Reprodução Facebook)

Mais do que isso, Tite continuou e melhorou um estado de permanente calma na instituição, oriundo, de certo modo, do próprio esquema de jogo. Longe de ser retranqueiro, Tite apenas executou o óbvio de começar a construção de um time pela defesa antes de se construir ofensivamente, mesmo com todas as dificuldades do futebol brasileiro. Sempre batendo na tecla do “no pé!” e do “sem falta”, seu mérito principal é dar a sua cara à equipe alvinegra: uma cara de honestidade, coragem e solidariedade.

Não se monta um time campeão à toa.

Notícias do Corinthians