“Centromédio de técnica refinada, era o patrão da defesa” – Celso Kinjô
“Um dos legendários heróis do IV Centenário, dono de técnica apurada” – Celso Unzelte
“Incansável, inesgotável, inexaurível” – Sílvio Lancellotti
“Classe, controle de bola, distribuição e visão de jogo” – Toquinho
De Belangero não faltam relatos memoráveis, mas qual outro jogador poderia se orgulhar de receber de Nilton Santos, a “Enciclopédia”, o seguinte elogio: “foi o jogador que eu vi bater mais bonito na bola até hoje”? A verdade é que no timaço do IV Centenário, entre o Gerente Cláudio, o Pequeno Polegar Luizinho, o Cabecinha de Ouro Baltazar e o Sangue Azul Idário, havia apenas um legítimo professor em campo: Roberto Belangero.
Nos 453 jogos e 22 gols marcados com a camisa corinthiana entre 1947 e 1960, o eterno camisa 6 do Timão foi o dono absoluto da posição de centromédio, espécie de volante no extinto esquema WM inventado por Herbert Chapman, multicampeão pelo Arsenal nos anos 30.
Naquela equipe dos dourados anos 50 corinthianos, Roberto Belangero atuava pelo lado esquerdo realizando um quase ofuscante contraste com seus companheiros de linha média, os raçudos Idário e Goiano. Sua técnica, sua calma no passe e seu domínio preciso resultaram, além do perfeito apelido de “Professor”, em sete títulos com a camisa corinthiana: três Campeonatos Paulistas, três Rio-São Paulo e a Pequena Taça do Mundo de 1953.
Clássico, Roberto jogava com a cabeça erguida e a elegância que o caracterizavam também fora de campo. Estudioso e poliglota, era o intérprete da delegação corinthiana nas diversas excursões feitas pela Europa. Sua história no clube não resume ao futebol jogado, certamente. Quando voltou ao Timão já como técnico nos anos 60, bancou Flávio Minuano, um dos maiores artilheiros da história do clube, e foi o professor literal de outro Roberto, o garoto do Parque: Rivellino, maior ídolo do Timão.
Desnecessário seria citar a importância do Paulistão – o do IV Centenário, então, nem se fale… – e do Rio-SP nos anos 40, 50 e 60.
Desnecessário, também, seria ressaltar a grande carreira de Belangero desde os tempos de Maria Zélia, de onde chegou ao Corinthians junto com Luizinho, até a aposentadoria e idolatria no Newell’s Old Boys da Argentina. Belangero chegou a um clube sem títulos havia seis anos (desde 1941) e o deixou com a galeria de troféus cheia e com o que boa parte da velha guarda considera o título mais importante da história do Coringão: o de 1954.
Mas as injustiças no futebol são conhecidas…
Participante ativo das eliminatórias para a Copa de 1958 – que se resumiram aos dois jogos contra o Peru – Roberto foi cortado da convocação final. Em seu lugar, Zito, do Santos, viria a se tornar campeão mundial e reconhecido eternamente nas mesas-redondas mais fofinhas da televisão brasileira. Curioso é notar que Roberto fora titular dos dois jogos eliminatórios contra o Peru, em Lima, no dia 13 de abril de 1957. Esse foi o primeiro encontro entre as duas seleções nas eliminatórias sul-americanas para o Mundial.
É verdade que injustiças em convocações acontecem aos montes: só no Timão, Neto e Marcelinho – e até mesmo Luizinho, contemporâneo de Belangero – são nomes automaticamente associados a erros em convocações. Mas Belangero sofreu e sofre até hoje uma certa amnésia histórica seletiva: no próprio livro “As Melhores Seleções Brasileiras de Todos os Tempos”, Milton Leite, em seu capítulo sobre o título de 1958, cita o jogo contra o Peru sem sequer tocar no nome do jogador corinthiano. E mais: traz, na sessão sobre quem faltou na lista final, a figura de Canhoteiro, do São Paulo. Belangero não foi citado uma única vez.
No fundo, no fundo… pouco importa.
A imagem de Roberto Belangero – muito menos promovida do que a de seus colegas atacantes decisivos e dribladores – é a de um Corinthians bastante distinto do que veio a se formar nas últimas décadas. A classe com que tocava na bola – a quem chamava de “meu amor” tal como Falcão nos anos 70, segundo comentário de Juca Kfouri – era a classe de um homem com H maiúsculo: admirável, forte e culto. Qual jogador, por mais clássico que tenha sido na história do clube posterior, é um fanático por 2ª Guerra Mundial, Dostoievski e Dante Alighieri, como era Roberto, também apreciador de O Poderoso Chefão e Os Bons Companheiros, segundo seu neto, Stefano Belangero?
Quem ousaria, hoje, misturar futebol e alta cultura na mesma frase, em tempos onde o berro no programa televisivo e a lacração na rede social vale mais do que tudo?
Com Roberto, nem o futebol nem nada era brincadeira ou conversa de bar. Ser boleiro significava algo muito diferente do que hoje, muito mais difícil de se alcançar…e muito mais bonito.
Roberto Belangero é símbolo de um Corinthians vencedor, corajoso e elitista – na melhor acepção da palavra. Foi sinônimo de um lado do futebol que se recusa a ser reduzido ao debate sobre o nada na hora do almoço, ao patofalar de jornalistas e ao brado simplório de “Raça!”.
Sua técnica e seu espírito mostraram ao abençoado público corinthiano que o viu algo maior, algo a se almejar e algo a se agradecer.
Roberto Belangero foi sinônimo de futebol-arte no Corinthians, uma face alvinegra que nunca pode ser esquecida por ser ela parte crucial da identidade corinthiana tanto quanto a vontade e o sangue de Idário e Goiano.
Por Anthonio Delbon
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