Mito, segundo o dicionário Michaelis, é uma história fantástica de transmissão oral, cujos protagonistas são deuses, semideuses, seres sobrenaturais e heróis que representam simbolicamente fenômenos da natureza, fatos históricos ou aspectos da condição humana; fábula, lenda, mitologia. Sociologicamente, mito é uma crença, geralmente desprovida de valor moral ou social, desenvolvida por membros de um grupo, que funciona como suporte para suas idéias ou posições.
Fato, segundo o mesmo dicionário, é um evento de cuja ocorrência se tem conhecimento, ou coisa de cuja existência não se põe em dúvida. É algo sobre cuja existência há consenso geral, por ter sido confirmado reiteradamente e por muitos observadores independentes e de competência inquestionável.
O preâmbulo é necessário para o entendimento do personagem em questão:
Ayrton Senna da Silva.
Hoje, caso estivesse vivo, Senna faria 60 anos. E o mito cada vez mais sobrepuja a realidade.
Coronavírus fará Corinthians sofrer queda de arrecadação; entenda as dificuldades
O texto não tem a menor intenção em minimizar os feitos de Ayrton Senna, tricampeão do mundo, 41 vitórias, 65 pole-positions, 80 pódios, mas pretende colocar a realidade, o fato, como questão primordial de análise.
Senna é considerado por muitos o maior ídolo nacional e merece todas as homenagens no Brasil e no Mundo.
Entretanto, especialmente após a sua morte, Senna foi alçado à condição de detentor de todas as virtudes humanas. Uma espécie de Semideus. Ayrton Senna tinha qualidades e defeitos, como qualquer ser humano, mas era dotado de um talento excepcional. Longe, portanto, de ser Deus.
Houve pilotos da própria Fórmula-1 ou de outros esportes que, também, possuíam talento excepcional e em momento algum foram santificados.
Por que então a necessidade de endeusamento de Senna? Não seria mais simples tratá-lo de forma natural, sem exageros?
Aos fatos.
Em 1989, por exemplo, Senna tentou expulsar Reginaldo Leme da Rede Globo. Os dois ficaram anos sem conversar, mas a atitude de prejudicar o trabalho do competente jornalista, inclusive vetando entrevistas, por causa da imparcialidade de Reginaldo Leme mostra o lado vingativo do piloto. Ele era gente como a gente.
Gaviões da Fiel libera sede ao governo do Estado para auxílio na saúde
Você sabia que o amor à pátria de Senna com a bandeira do Brasil foi uma resposta à provocação dos colegas da equipe Lotus- Renault, um dia após a eliminação do Brasil na Copa de 1986 para a França? Ele não era mais patriota que eu ou você. Ele respondeu a uma provocação.
Senna não estava acima do bem ou do mal. Era um sujeito que acertava e errava. Era um sujeito que tinha uma empatia fortíssima.
Senna salvou a vida de Erik Comas. O francês teve um acidente fortíssimo. Senna não pensou duas vezes: Percebeu que o francês estava desacordado e que vazava gasolina do carro. Parou a sua Mclaren e correu a tempo de desligar a ignição da Ligier de Comas. Que atitude. Que empatia.
Por outro lado, deu um sopapo em Eddie Irvine, no GP do Japão em 1993, porque o irlandês foi abusado na pista, tipo um Ayrton Senna jovem.
Em 1989, perdeu o título após colidir com Prost a 80 km por hora. Senna disse que foi “roubado”, mas esqueceu-se de lembrar que precisava vencer na Austrália e não venceu. A voz oficial, Galvão Bueno, disse que Prost foi um “triste” campeão.
Em 1990, se vingou colidindo a 250 km por hora com Prost no GP do Japão de 1990. De propósito. Premeditado. Foi aplaudido pela voz oficial, Galvão Bueno. Não foi chamado de “triste” campeão. A vingança foi à resposta ao “roubo” de 1989. Ele podia tudo.
Confira filmes e livros sobre o Corinthians para assistir na quarentena
Em 1991, no GP do Japão, Senna cedeu a vitória a Berger na última curva. Altruísmo, bom-mocismo, esportividade, respeito ao companheiro de equipe que o ajudou na disputa com Nigel Mansell? Nada disso. Senna discutiu por mais de 10 voltas com Ron Dennis, chefe da McLaren, porque não queria ceder a posição ao companheiro de equipe, mesmo já campeão. Senna poderia ter cedido a posição antes, mas preferiu ceder na última curva colocando Berger numa posição de clara inferioridade. O austríaco jamais agradeceu e sequer tocou no assunto com Senna. No Brasil, a voz oficial tratou o ato como generosidade.
Não é crime criticá-lo. Não é obrigação elogiá-lo por qualquer coisa. A realidade está sempre à frente da maximização das virtudes e da minimização dos defeitos.
Raciocinemos:
Só Ayrton Senna lutou bravamente em busca dos seus objetivos?
Só Ayrton Senna era obstinado, trabalhador, perfeccionista, perseverante e destemido?
Qual o objetivo em colocá-lo na prateleira dos semideuses ou de possuidor de dons extraterrestres separado dos reles mortais? Não estamos exagerando?
Ele foi grande pelos fatos. Pelo que fez na pista. Pela sua história de vida. Não é crime criticá-lo. Não é obrigação elogiá-lo ou endeusá-lo por qualquer coisa. A realidade está sempre à frente da maximização das virtudes e da minimização dos defeitos do gênio canonizado Ayrton Senna do Brasil.
Twitter/@cesaramferreira
Os comentários estão fechados.
2019 @ Central do Timão - Todos os direitos reservados
Parabéns Dr. Cesar, excelente retrato do grande, humano, Ayrton.
Valeu, Samuka, abraços.