Na última terça-feira, 17, Romeu Tuma Júnior, presidente do Conselho Deliberativo do Corinthians, encaminhou um ofício ao presidente Augusto Melo solicitando esclarecimentos sobre a possível orientação para uma ação cautelar com pedido de liminar e a criação de um fundo imobiliário relacionado à Arena.
No documento, Tuma destaca suas três principais preocupações, questionando o descumprimento do estatuto do clube, além de apontar para uma possível falta de transparência na gestão. A informação foi divulgada pelo portal ge.globo e confirmada pela Central do Timão.
No primeiro apontamento, o presidente do Conselho afirma ter tomado conhecimento, junto a alguns conselheiros, de que a Alvarez & Marsal, empresa de consultoria que presta serviços ao Corinthians, por meio de seu principal representante Fred Luz, teria orientado Augusto Melo a ajuizar uma ação cautelar extrajudicial de recuperação judicial ou algo similar. No entanto, o clube negou ao portal que Fred Luz tenha sugerido tal ação.
A ação cautelar mencionada por Romeu Tuma Jr. consiste em uma medida para que a diretoria se proteja contra possíveis execuções de dívidas, bloqueios de contas e penhoras de bens do clube por um período de 60 dias. Essa ação poderia ser o início de um processo de recuperação judicial, uma estratégia utilizada por empresas para renegociar parte de suas dívidas, com o objetivo de evitar a falência do clube.
A possibilidade de recuperação judicial foi uma das opções sugeridas pela EY, que também prestou serviços de consultoria ao clube em 2024, e vem sendo debatida há meses no Corinthians, apesar da forte resistência interna. Contrário a essa proposta, Romeu Tuma Jr. menciona o exemplo do Coritiba, que igualmente contratou os serviços de consultoria da Alvarez & Marsal. Segundo ele, os resultados da recuperação judicial no clube paranaense não foram positivos para a instituição.
No documento, o presidente do Conselho afirma que adotar essa medida sem uma consulta prévia ao Conselho Deliberativo e ao Cori (Conselho de Orientação) seria algo “temerário”. Internamente, há uma preocupação de que essa ação poderia causar impactos negativos ao clube do Parque São Jorge.
Fontes ouvidas pela Central do Timão alegam que a estratégia que a diretoria alvinegra pretende adotar envolve muitos riscos e poderia levar à falência do clube ou abrir caminho para a transformação do Corinthians em SAF. Outros conselheiros também afirmam que, se a decisão não for aprovada pelos órgãos fiscalizadores do Timão, a gestão enfrentará problemas, além de criticarem a falta de transparência na condução do caso.
No ofício enviado a Augusto Melo, Romeu Tuma Júnior ainda fez ressalvas em relação ao plano de criação de um Fundo Imobiliário para a Neo Química Arena, projeto estruturado pela KPMG durante a gestão do ex-presidente Duilio Monteiro Alves e retomado recentemente. Ele argumenta que qualquer avanço nesse sentido também deve contar com a aprovação dos órgãos competentes.
Além disso, Tuma destacou que há uma insatisfação interna em relação à ausência de respostas a alguns questionamentos feitos por conselheiros e ao não cumprimento dos princípios de transparência, como a falta de prestação mensal de contas. A reportagem do ge.globo entrou em contato com Augusto Melo, que, por meio de uma nota, afirmou que “recebeu o ofício enviado pelo presidente do Conselho Deliberativo, Romeu Tuma Jr, e responderá internamente, dentro dos prazos previstos pelo estatuto do clube”.
Confira abaixo, na íntegra, o ofício enviado por Romeu Tuma Jr. ao presidente Augusto Melo:
Senhor Presidente,
Tendo chegado ao meu conhecimento e a ao conhecimento de diversos Conselheiros do Sport Club Corinthians Paulista que a Empresa Alvares & Marsal, através de seu representante em nosso Clube, estaria orientando a Administração a contratar escritório de Advocacia no sentido de ajuizar ação cautelar extrajudicial de Recuperação Judicial ou algo semelhante, fato que já ocorrera no Coritiba Foot Ball Club com a mesma empresa, cujos resultados, segundo informações, não foram benéficos àquela agremiação desportiva, alerto Vossa Senhoria que de acordo com nosso Estatuto seria temerário faze-lo sem consulta prévia aos órgãos de Fiscalização tais quais o CORI e o Conselho Deliberativo, face as consequências que este tipo de ação pode acarretar ao Clube.
Também chegou ao nosso conhecimento por notícias da imprensa, que a atual gestão está preparando um Fundo Imobiliário para “venda” de parte da Arena, inclusive resgatando projeto da gestão anterior.
Sobre isso, esclareço que independentemente da origem do projeto, se novo ou antigo, o mesmo não poderá ser viabilizado sem autorização dos mesmos órgãos, ou seja, CORI e Conselho Deliberativo, visto que em nenhum momento o assunto foi apresentado tampouco deliberado pelo Conselho Deliberativo.
Por fim, informo a Vossa Senhoria que esta presidência recebeu ofício e diversas reclamações do Conselho Fiscal e do CORI sobre a falta de respostas da Diretoria para questionamentos realizados e sobre o não cumprimento de artigos do Estatuto e da Lei Geral do Esporte, especialmente sobre a falta de transparência na prestação mensal das contas, sobre a não observância dos artigos 120 parágrafo único, 121 e 122 parágrafo 2º, dentre outros.
A título de esclarecimento, os fatos elencados acima poderão ser analisados no contexto dos artigos 81 letras F e J; 97 letras D, F, I e U; 124; 125; 131 e 136, dentre outros, todos do Estatuto Social do Sport Club Corinthians Paulista.
Com relação a Lei Geral do Esporte (Lei 14.579/2023), importante observar o abaixo reproduzido:
Art. 59. São princípios da gestão na área esportiva, sem prejuízo de outros preceitos correlatos:
I – responsabilidade corporativa: caracterizada pelo dever de zelar pela viabilidade econômico-financeira da organização, especialmente por meio da adoção de procedimentos de planejamento de riscos e de padrões de conformidade;
II – transparência: consistente na disponibilização pública das informações referentes ao desempenho econômico-financeiro, gerenciais e pertinentes à preservação e ao desenvolvimento do patrimônio da organização;
III – prestação de contas: referente ao dever de o gestor prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito de sua competência;
IV – equidade: caracterizada pelo tratamento justo e isonômico de todos os gestores e membros da organização, considerados seus direitos, seus deveres, suas necessidades, seus interesses e suas expectativas;
V – participação: consubstanciada na adoção de práticas democráticas de gestão direcionadas à adoção de meios que possibilitem a participação de todos os membros da organização;
VI – integridade esportiva: referente, no âmbito da gestão do esporte, à adoção de medidas que evitem qualquer interferência indevida que possa afetar a incerteza do resultado esportivo, a igualdade e a integridade dos competidores.
Art. 62. Nenhuma pessoa natural ou jurídica que, direta ou indiretamente, seja detentora de parcela do capital com direito a voto ou, de qualquer forma, participe da administração de qualquer organização esportiva que promova a prática esportiva profissional poderá ter participação simultânea no capital social ou na gestão de outra organização esportiva congênere disputante da mesma competição que envolva a prática esportiva profissional.
§ 1º É vedado que 2 (duas) ou mais organizações esportivas que promovam a prática esportiva profissional disputem a mesma competição ou a mesma série ou divisão de uma competição, quando for o caso, das diversas modalidades esportivas disputadas profissionalmente quando:
I – uma mesma pessoa natural ou jurídica, direta ou indiretamente, por meio de relação contratual, explore, controle ou administre direitos que integrem seus patrimônios; ou
II – uma mesma pessoa natural ou jurídica, direta ou indiretamente, seja detentora de parcela do capital com direito a voto ou, de qualquer forma, participe da administração de mais de uma sociedade ou associação que explore, controle ou administre direitos que integrem os seus patrimônios.
§ 2º A vedação de que trata este artigo aplica-se:
I – ao cônjuge e aos parentes até o segundo grau das pessoas naturais; e
II – às sociedades controladoras, às controladas e às coligadas das mencionadas pessoas jurídicas, bem como a fundo de investimento, a condomínio de investidores ou outra forma assemelhada que resulte na participação concomitante vedada neste artigo.
Art. 64. Para os fins do disposto nesta Lei, gestor esportivo é aquele que exerce, de fato ou de direito, poder de decisão na gestão da organização, inclusive seus administradores.
Parágrafo único. É dever do gestor esportivo agir com cautela e planejamento de risco, atentando-se especialmente aos deveres de:
I – diligência: caracterizada pela obrigação de gerir a organização com a competência e o cuidado que seriam usualmente empregados por todo homem digno e de boa-fé na condução dos próprios negócios;
II – lealdade: caracterizada pela proibição de o gestor utilizar em proveito próprio ou de terceiro informações referentes aos planos e aos interesses da organização, sobre os quais somente teve acesso em razão do cargo que ocupa;
III – informação: caracterizada pela necessária transparência dos negócios da organização, com a obrigação de o gestor, sempre de forma imediata, informar os interessados sobre qualquer situação que possa acarretar risco financeiro ou de gestão, bem como de informar sobre eventuais interesses que possua e que possam ensejar conflito de interesse com as atividades da organização.
Cabe esclarecer a Vossa Senhoria, prezado Presidente, que o presente tem o escopo de alertá-lo quanto aos riscos de se efetivar algo sem o amparo legal e regimental, lembrando sempre que os órgãos de Fiscalização estão à disposição para ajudá-lo a encontrar alternativas e caminhos seguros para o Corinthians, mas sempre observando as regras do Estatuto e da Legislação as quais estamos todos submetidos e, caso seja de sua vontade”.
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