Fracassar na vida é ter acesso à poesia – sem o suporte do talento
(E. Cioran)
Saudações Corinthianas
Em dias de vitórias, goleadas por 1 a 0, títulos ou gols memoráveis, não raro acabo me pegando em devaneios sobre o tamanho do poder e da paixão que o Corinthians impõe nesses 27 anos de vida que Deus me deu. Vira e mexe anoto, seja no celular, no computador ou no que tiver em mãos, o que o escudo do Timão simboliza para mim: fidelidade, amor incondicional, generosidade, altivez, resistência, tradição, brio, raça.
Convenhamos: tudo isso pode ser ouvido de qualquer corinthiano roxo (com o perdão do pleonasmo). Dependendo do dia, do clima, do estado de espírito, ser Fiel é ser o amante mais puro ou o guerreiro mais feroz; o questionador mais voraz ou o tradicionalista mais convicto. É sempre no olho do torcedor que o espírito da declaração fala – clichês não deixam de ser verdades profundas no olhar e na voz do torcedor sincero.
O que resta, sempre, é uma lealdade tão ardente quanto a paixão que a gera. Eu não sei exatamente o que é ser corinthiano, mas sei que ser morno definitivamente é não ser corinthiano. Há encanto alvinegro suficiente no calor dos anos 90 ou no frio dos anos Tite. Ser fiel é passar de um ao outro, na vitória ou na derrota. Principalmente na derrota.
Pensando com mais cuidado, minhas principais lembranças do Timão na época de formação do meu corinthianismo são fracassos retumbantes. Meus dois primeiros clássicos na Saudosa Maloca foram 5 a 1 para tricolores, em 2005, e 3 a 0 para santistas, no ano seguinte. Foi no Pacaembu que vi Luizão, ídolo de infância, começando uma goleada humilhante. Foi lá que vi Zé Roberto com a 10 branca comandando o ataque contra meu time. Em ambos tive de afastar meu pai de brigas nas arquibancadas mistas. Em ambos, senti impotência.
Foi tal impotência, bombada pelos fracassos recorrentes nos torneios sul-americanos, pela falta de estádio e até pelo polêmico título de 2005 que me fizeram entender um pouco do DNA Corinthiano: o sofrimento enviado ao corinthiano não é à toa e não é para qualquer homem. A falta de títulos paulistas de 54 até 77, a demora pelo primeiro título nacional em 90, e pelo primeiro título sul-americano, em 12, só se tornaram marcantes porque vieram precisamente do jeito que vieram.
Se há algo que aprendi com o Corinthians em todos estes anos é isso: poderíamos até hoje estar sem Libertadores, ou poderíamos ter passado 100 anos sem um título brasileiro. Ou, ainda, poderíamos ter ficado 40 anos sem título, de 54 até os gols de falta de Neto ou Marcelinho: o único resultado certo dessas hipóteses é que o fervor da nossa torcida cresceria de forma inimaginável.
Parafraseando Albert Camus, o que mais sei sobre moral e as obrigações do homem eu devo ao Corinthians. Ser corinthiano é fracassar e anular o fracasso no mesmo ato, graças à esperança que surge da dor. E quanto maior a dor de uma derrota, maior a paixão de vestir a camisa corinthiana na escola, na faculdade ou no trabalho do dia seguinte. Não há nada – nem título, nem vitória, nem golaço – que tire de mim a sensação de paz e força que foi usar o manto alvinegro na quinta feira posterior à eliminação contra o Flamengo de Vágner Love pela Libertadores de 2010.
Coisa semelhante só vi em místicos católicos como São João da Cruz ou Santa Teresa D’Ávila. O fardo nunca é leve – e nunca deixa de ser desejado, o que anula seu peso.
Dou aqui meus dois centavos: ser corinthiano é ter a plena e duradoura noção que alguém maior envia o sofrimento não por nos odiar, mas por nos amar. É o sofrimento que nos vincula a algo maior, além de nós mesmos. Ser corinthiano é transcender, é tocar a imortalidade mesmo sem nenhum mérito próprio – basta fracassar para se livrar da vaidade e do orgulho, o mesmo que a gente vê toda quarta e domingo em camisas coloridas pelo Brasil afora.
Ser corinthiano é ir além do próprio Corinthians e olhá-lo com eterna gratidão por isso.
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