Jogador da base do Matonense que sonhava em fazer sucesso no Timão, ganhou notoriedade por um vídeo “de brincadeira” e viu sua vida mudar radicalmente
O atacante Felipe Gabriel sonhava em fazer sucesso no Corinthians. Nascido em Ribeirão Preto/SP, atuou na base do Cotia FC e Matonense e em 2015 foi tentar a sorte em um clube da segunda divisão da Letônia, país situado no Mar Báltico, com cerca de dois milhões de habitantes. Na Letônia chegou como lateral-esquerdo. Atuou pelos clubes AFA Olaine, RTU, FK Progress e Albatroz SC, todos da segunda divisão.
O plano era se destacar por lá, disputar uma temporada e fazer ponte para jogar na Rússia. Mas, o sucesso apareceu na vida de Felipe de forma inusitada.
Atualmente ele é rapper, modelo e ator de cinema famoso na Letônia e na Lituânia, país vizinho. Faz rimas em letão. Tem um projeto direcionado a crianças, onde dá aulas de futebol, faz discurso motivacional, incentiva a jogarem futebol e não irem para a bebida e para o cigarro. Segundo ele, lá as crianças começam a beber com 13-14 anos. Felipe Gabriel é visto como um exemplo, principalmente por jogadores de clubes e da seleção de base.
Ganhou notoriedade por conta de uma brincadeira. Gravou um vídeo clip da primeira canção que compôs e gravou com artistas da cena rap da Letônia.
“Eu sou o único artista negro que canta rap por lá”, diz Felipe Gabriel em entrevista a ESPN.
“A música foi uma brincadeira. Eu sempre gostei de rap. Sempre rimava em Português, assistia batalhas de rap do Brasil e batalhas americanas. Eu fiz amizade com um pessoal do rap daqui e tentava fazer umas rimas em letão. Um desses rappers uma dia me disse: “Essa rima foi muito boa. Você deveria pôr no papel”. Na época eu jogava pelo Olaine, a 25 quilometros da capital, Riga. Eu sempre ia para lá encontrar meus amigos. Um dia, voltando pra casa, comecei a escrever rima atrás de rima e mandei um áudio para o meu amigo“, contou.
“Fomos para o estúdio, gravamos com outros amigos. Só por curtição. Então decidimos fazer um vídeo e colocamos no YouTube. A repercussão foi enorme. Até então eu não sabia que tinha me tornado o primeiro negro a escrever uma música na Letônia e uma música boa que tocou nas rádios, televisão, nos shopping centers.”
O rap abriu as portas para a profissão de modelo. No ano passado, Felipe fez trabalhos para Sprite, Coca-Cola, Fanta, Burberry, Valmiera Piens (marca de leite famosa da Letônia) e outras pequenas marcas. Para 2020 tem contrato com a Adidas, Redbull, Pringle’s e um posto de gasolina chamado Viada, que já está sendo motivo de piada entre seus amigos brasileiros.
O cinema surgiu porque uma agência da Lituânia não achava um ator negro que falasse lituano.
“Eles me acharam e me ofereceram o papel principal, com a condição de aprender o idioma lituano em um mês. Gostei do desafio e da oportunidade de fazer cinema. Me mudei para a Lituânia de maio a julho. E gostei muito de atuar. Recebi muito elogios, apesar de ser muito difícil atuar em uma língua que você não sabe, por conta de expressão, emoções. É o filme mais assistido da Lituânia e com isso me tornei o primeiro negro da história a falar lituano no cinema e primeiro negro a ser protagonista em um filme lituano.”
E o futebol? Felipe Gabriel recebeu propostas de três times da segunda divisão que têm planos de subir para a Premier League. Ele até estava decidido a voltar a jogar, mas, por conta da pandemia, o campeonato não começou e provavelmente será cancelado. Ele não assinou contrato.
Mas Felipe não está preocupado. O dinheiro que ganha fora dos gramados o ajudou a se estabelecer e a conhecer a Europa. Sobre deixar a Letônia, por enquanto ele nem pensa.
“É difícil deixar a Letônia depois de tudo que conquistei e começar do zero em outro lugar. Mas nunca sabemos o dia de amanhã, principalmente jogando futebol. Nunca sabemos quem está assistindo ao jogo e o que pode acontecer em uma partida”, concluiu.
Sobre sua carreira no futebol no Brasil, Felipe não tem boas lembranças, mas guarda grandes lições.
“Minha carreira no Brasil foi meio que “triste”. Fui federado a primeira vez no Cotia FC. No meu primeiro ano de sub-20 fui muito pouco utilizado. No ano seguinte, na Matonense, as condições não eram das melhores. No alojamento, eram 30 a 40 cabeças morando juntas, banho de água gelada, tinha dia que não havia mistura para comer. Técnico e preparador físico roubavam as encomendas que meus pais mandavam (desodorantes, bolacha, salgadinho). Mas isso foi muito bom para eu evoluir. Sempre digo que tem coisas ruins que acontecem para o bem da pessoa. Mas meu sonho foi sempre jogar em alto nível no Brasil, principalmente no Corinthians“.
Por Nágela Gaia /Redação da Central do Timão